Velhos Tempos… Belos Dias! Segunda Parte

O Portal Éder Luiz está publicando neste mês em que Joaçaba completa 98 anos trechos do livro Velhos Tempos.

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Velhos Tempos… Belos Dias! Segunda Parte

O Portal Éder Luiz está publicando neste mês em que Joaçaba completa 98 anos trechos do livro Velhos Tempos... Belos Dias!, de autoria de Raul Pereira. É uma forma de resgatar histórias do município através de um de seus mais antigos moradores, Seu Pereira completará 99 anos em outubro.

Hoje será publicada a segunda parte destas memórias. Para ler a primeira parte clique aqui! As namoradas Falando em namoro, eis aí uma das boas coisas da vida que ninguém precisou de professor ... Numa festa de São Sebastião eu estava conversando com a Bilia, minha namorada, quando apareceu o filho do tio Juca, Chico, que era meio doido, eu o chamei de “Chico Louco”; nós sempre o chamávamos assim, e nesse dia ele saiu correndo atrás de mim com um canivete na mão, se eu não me jogo debaixo de uma cerca de arame ele teria me cortado ... e o pior veio depois, meu pai foi onde eu estava com a namorada e me disse uma porção de bobagem, quase me surrou na frente dela, a menina ficou apavorada. No domingo seguinte fui na casa de uma outra namorada, a Maroca, e o pai da garota, primo de meu pai e conhecido como Cadete, tinha comprado uma porca de raça, ele tinha amarrado a porca com uma corda presa numa árvore, e me deu uma ripa, para que, quando ele gritasse, eu desse uma paulada na porca. Quando ela pulasse ele puxaria a corda, mas aconteceu o contrário: em vez de pular, a porca me deu uma mordida ao lado do cotovelo, e me tirou um pedaço de carne, conservo a cicatriz até hoje, tenho a marca no braço. E meu paletó, de linho caroá, ficou rasgado. O pior é que nossos velhos não se davam, meu pai era do Partido Republicano e o Cadete, era do Partido Liberal, que ganhou as eleições, eles foram com uns amigos soltar foguetes na frente de nossa casa e cantaram a marchinha“Aliança vai por terra/ Aliança é coisa boa/ Viva Getúlio Vargas/ Viva João Pessoa”. E depois, ao chegar em casa, tive de ouvir: “Seu palhaço, seu idiota, vai namorar e quase perde o braço.” E a Maroca me disse: -“Esses dois nunca se acertaram na política”. Uma vez, houve um baile no salão do Anilau e cheguei atrasado, a minha pretendida Maroca já estava dançando com outro. Falei pro Aristides, meu irmão mais velho, que eu ia colocar pimenta no salão. Ele me alertou: “tu vais apanhar”. Mesmo com o conselho fui lá fora, ao lado da casa tinha um pé de pimenta, tirei bastante e na hora que a música recomeçou a tocar e todos saíram pra dançar eu soltei a pimenta no meio do salão. Foi aquela gritaria e o baile teve de acabar mais cedo. No dia seguinte encontrei a guria, ela me acusou de ter jogado a pimenta e eu neguei, é claro. Depois de uns meses fomos tomar banho na Lagoa do Engenho do Sr. João Reis, mas tinha uma madeira com ponta que eu não vi, ao mergulhar a ponta entrou na coxa e fez um buraco. Fui levado ao Engenho, fizeram um curativo e me levaram pra casa. Era domingo, e ao chegar em casa estavam almoçando, eu entrei pela frente da casa e fui pro quarto, sem ninguém ver. Mais tarde o seu João Reis foi lá em casa e pediu ao meu pai “– Compadre, como está o Raul?” Meu pai, coitado, ainda não sabia de mais essa aprontada, aí ele foi ao quarto e me disse “tu não tens jeito!” Dessa vez eu não apanhei, também, do jeito que estava, eu ardia em febre. Depois arranjei um outro “passatempo”: mais velha, separada e tinha filhos, e a minha saudosa mãe, coitada, se preocupava; aos domingos a gente usava roupa engomada, eu lhe pedi, a minha mãe me deu e disse “Tu não tens vergonha de andar atrás daquela sem vergonha?” Dizem que a laranja cai sempre perto do pé. O meu saudoso pai também gostava de pular cerca, depois deixou de pular e no fim só passava por baixo ... Título de eleitor precoce Em 1934 ia ter eleições para Presidente da República, e eu ainda não tinha idade pra votar. As eleições seriam no dia 3 de outubro e eu completaria 18 anos no dia 21 de outubro. Meu pai foi ao Cartório e mandou fazer um Título de Eleitor, com a minha “nova data de nascimento”, 21 de julho de 1916, garantindo assim mais um voto para o Candidato do Partido Republicano. No dia em que eu fugi de casa Por causa das aprontadas a gente apanhava bastante do meu pai, ele chamava nossa atenção na frente dos outros. No dia 19 de outubro de 1935 casava a Benta, filha do seu José Felipe, com Plácido de Freitas, e a família Pereira foi. À noite teve baile e meu pai mandou que eu fosse dançar, eu respondi que não e disse que estava com o pé machucado, e num descuido dos meus pais eu me mandei, fui em casa, apanhei umas roupas, duas corujas (rosca de polvilho) e o título de eleitor. Eu havia convidado um amigo, Silvino Gabriel para ir junto comigo mas ele tinha dinheiro na mão do Teixeira, pai da namorada dele, que não quis entregar e eu fui sozinho. Na saída passei pela Escola e olhei pela janela, estavam na casa da Escola a professora, dona Belinha Falcão, que morava com sua mãe, dona Maria; minhas irmãs Iracema e Iraci tinham de sete a oito anos, e ficaram com elas enquanto o pessoal ia ao casamento. O que me ajudou foi que, quando eu fui crismado, minha Madrinha, tia Aninha Xavier, tinha me dado um filhote de porco. Mais tarde eu o vendi, e com esse dinheiro fiz a fuga, e graças a Deus deu tudo certo. Fiz 62 km a pé, de sábado à noite até as 11h30 de domingo: eram duas horas da madrugada quando cheguei ao rio Itapocu. Seu nome vem do tupi-guarani e significa “pedra comprida” O rio leva o mesmo nome da cidade e hoje o vale do rio Itapocu, ou simplemente Vale do Itapocu é uma região que abrange politicamente sete municípios: Barra Velha, São João do Itaperiú, Massaranduba, Guaramirim, Schroeder, Jaraguá do Sul e Corupá. Para passar pra outra margem do rio tinha que ir de bote, e o balseiro, conhecido como “Cheiroso”, não queria me passar porque o rio estava muito cheio, mas eu falei que ia para Paraty buscar remédio para minha tia que estava doente, ele acreditou e aceitou me passar. Às vezes vale a pena mentir, dizem que “quem não bebe e não mente não é filho de boa gente”, então o balseiro me colocou dentro de um pequeno bote. Fiquei com medo e tirei os sapatos, pois o rio estava muito cheio, e o bote era pequeno, no caso de afundar teria que sair nadando, mas felizmente tudo correu bem, só não paguei porque ele não tinha troco, então eu lhe falei: “mais tarde eu volto e te pago”. Depois de um ano passei lá e paguei, o barqueiro riu muito quando contei minhas aventuras. Ele não me reconheceu, botei o pé na estrada, enfrentando a enorme escuridão, e quando começou a clarear o dia tudo melhorou. Mais na frente tive outro momento de tristeza: passando por uma residência, uma senhora com uma bacia dava milho para as galinhas, era isso mesmo que minha mãe fazia todas as manhãs... Pé na estrada, eram onze e meia da manhã quando cheguei em Joinville. Ali encontrei um comerciante turco que tivera loja em Medeiros, era o namorado da Benta, filha do João Branco, eles um dia tinham ido “brincar de se esconder” e a menina ficou apavorada: a barriguinha começou a crescer e o namorado só prometia e não casava, levava ela na conversa e a barriguinha cada vez ficava maior. Ela tentou suicídio diversas vezes, naquela época a moça que não fosse mais virgem não casava nem com viúvo. Tinha uma mocinha cuidando dela, e num domingo, antes do almoço, ela mandou a mocinha buscar água, quando voltou ela tinha se enforcado. O turco, talvez com receio da família, durante a noite levou toda a mercadoria na surdina para Joinville. Ele então me levou para a casa dele, almocei e pernoitei. Em 21 de outubro completei 19 anos e fui de trem a Porto União, lá moravam a mãe de meu pai e uma irmã dele, a tia Heraclides; no dia 29 fui de trem para Cruzeiro do Sul, hoje Joaçaba, onde também morava um irmão do papai, meu tio Osvaldo, conhecido como Dodô, e um cunhado dele, Antonio, eles eram os donos da Tipografia Santa Terezinha. De Cruzeiro a Joaçaba Fiquei morando oito meses com meu tio Osvaldo e a esposa dele. Sempre senti muita saudade de meus queridos pais e irmãos, parece que a saudade de casa é a maior dor que a gente sente. Então fui morar com a tia Heraclides Pereira Guérios, a tia Quiquita, que depois meus filhos chamariam de Mainha, casada com Antonio José Guérios. Em 1936, já morando em Cruzeiro, atual Joaçaba, servi o Tiro de Guerra 282 em Luzerna. Fiz esse trecho muitas vezes a pé, nessa época a firma Caetano Branco estava instalando uma fábrica de máquinas, trilhadeiras Vencedora. O Sargento castigava bastante a tropa, fizemos uma marcha a pé até Água Doce, fiquei com o pé machucado por causa do calçado novo que usei, fiquei um bom tempo sem participar das atividades do TG. A Cruzeiro de então não tinha nada, o Correio era em Herval d’Oeste, no local em que hoje é a Igreja Matriz. Aos domingos um inspetor da Texaco, o Fischer, que conhecia o Comandante do Quartel, conseguia uns cavalos e iam passear em Luzerna. Nessa época veio para Cruzeiro uma ferraria, coberta apenas com lonas, era do Sr. Konrad Aufinger, depois o Sr. Francisco Lindner pegou a direção e hoje é uma potência que orgulha os joaçabenses e catarinenses. Naqueles tempos em que tudo era precário havia ronda policial, com Cavalaria Montada e a pé. Em Herval d’Oeste tinha a casa da Negra Angélica, uma dessas casas “suspeitas”, que funcionava na esquina da atual Casa Fabrin, do outro lado da rua tinha um casarão coberto de zinco; jogaram pedras em cima do telhado, parecia tiro de revólver. Eram duas horas da manhã, estávamos em cinco e nos prenderam. Como eu era amigo do sargento Cidade, que era do Litoral, ele nos soltou, e nós acusamos a outra turma, que era comandada pelo Lulu Zóccoli, eles estavam no Salão e a Polícia os levou até o Quartel. Eles provaram que não era barulho de tiros, e sim pedradas e nos acusaram, então o Comandante mandou que eles fossem embora. No domingo ia ter jogo de futebol, era dia de festa, o time de Caçador vinha em um trem especial. De Luzerna a Cruzeiro a máquina vinha apitando e o clube visitante era recebido com foguetório até o Estádio. Nos domingos sem futebol não tinha nada pra gente fazer na cidade, eu me fechava em meu quarto chorando de saudades de casa. Bem, nesse domingo a nossa turma não foi ao jogo, com medo de ser presa. Aquela casa da Negra Angélica tinha um Salão de Danças e um enorme porão com camas, onde as meninas recebiam os curiosos e uns trocados, e numa dessas brincadeiras fui envolvido por uma delas, mas eu achei que era muito novo para ser pai. Em 1937, numa manhã, peguei a mala e disse aos tios que ia embora por estar com saudades da família. Quando cheguei na estação férrea a “madame” estava lá e me perguntou aonde eu estava indo. “Vou a Caçador entregar impressos e domingo eu volto.” Mas esqueci de dizer qual domingo (só voltei em 1942). Quando o Chefe de Trem deu a saída e o trem apitou, dei graças a Deus. Ninguém nunca ficou sabendo dessa história, agora pela primeira vez estou revelando esse acontecimento. Minha tia ficou surpresa ao me ver de malas prontas pra voltar ao Litoral, e meu pai também quis saber o que houvera, mas nunca contei a ninguém. Amanhã tem mais...

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