Velhos Tempos… Belos Dias! Terceira Parte

Velhos Tempos… Belos Dias! Terceira Parte

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Velhos Tempos… Belos Dias! Terceira Parte

O Portal Éder Luiz está publicando neste mês em que Joaçaba completa 98 anos trechos do livro Velhos Tempos… Belos Dias!, de autoria de Raul Pereira. É uma forma de resgatar histórias do município através de um de seus mais antigos moradores, Raul Anastácio Pereira completará 99 anos em outubro.

Hoje será publicada a terceira parte destas memórias. Para ler as demais clique aqui! De volta pra casa... ou não Fui a Medeiros e meu pai não gostou, porque eu parava na casa da irmã dele e ele achava que eu devia continuar morando lá com ela. Nós éramos em doze irmãos muito unidos, eles queriam que eu voltasse a trabalhar na roça, mas eu achei que ia me desmoralizar, pois fugi da roça e não ia voltar, não. Dali fui a Joinville e trabalhei quatro dias na gráfica de Afonso Schwartz mas eu ganhava pouco, o ordenado era muito pequeno, então fui de trem a Rio Negrinho e trabalhei na Fábrica de móveis da Madeireira Zipperer e Cia, uma das maiores do Brasil. Parei alguns dias na Pensão Cabroski, mas não conseguia dormir por causa da bagunça. Comprei um quarto numa república, um casarão onde só paravam rapazes bagunceiros, eu mesmo fazia minhas refeições. Ali eu tinha bastante conhecidos e nos sábados à noite e domingos nós íamos na Rua do Cepo, antigamente tinha muitos pinheiros ali e quando foram derrubados só restou o cepo. No local instalaram um bar onde se reunia toda a moçada, os casais iam lá namorar, e as velhas e viúvas também iam pra lá. Eu morava sozinho, fiquei alguns meses e saí, pois o meu sonho era conhecer o Rio de Janeiro; voltei outra vez a Medeiros e os meus irmãos insistiam que eu voltasse pra roça. Numa madrugada, quando meu pai acordou eu já estava de pé, na cozinha. Falei pra ele que eu queria conhecer o Rio de Janeiro, ele insistiu que eu voltasse pra casa de minha tia mas eu estava decidido: caminhei uns doze quilômetros até São João do Itaperiú carregando minha mala, e de lá fui a São Francisco do Sul de carona em um caminhão do senhor Bibinha, que levava uma carga de feijão a São Francisco do Sul. Lá embarquei no navio Carlos Hoepcke. Levamos 19 horas até Santos, só que o navio enfrentou um temporal forte em alto mar e eu passei mal, pois no navio não havia geladeiras e em frente do meu quarto tinha um galinheiro, cheio de galinhas vivas que iam virar refeição. O mau cheiro era horrível e não deu outra, enjoei, não foi nada agradável. Um marinheiro, chamado José Felipe, me viu vomitando e passando mal, e mandou que eu saísse do convés e fosse ao quarto trocar de roupa, só que eu fui e não saí mais, esperando acabar a viagem. De litoral a litoral Passamos por São Sebastião e Angra dos Reis, chegamos a Santos às 4 horas e às 9 horas a Polícia Marítima fez a vistoria de praxe na bagagem e nos liberou. Fui direto ao Mercado Municipal, ao lado do Hotel Madri. Pedi um quarto e o porteiro me pediu documento, entreguei a ele o título de Eleitor: ele deu um sorriso, então perguntei o que estava havendo, ele disse que também era catarinense, de Tijucas, tinha sobrenome Pereira. Falei que estava procurando serviço, ele me disse que no Hotel tinha um cidadão arranjando gente para trabalhar em Praia Grande (uma estância balneária da Baixada Santista, que só viria a se emancipar de São Vicente em 1967), e como já tinha dois rapazes que no dia seguinte iam para lá eu fui junto. Lá embarcamos num bote e viajamos no rio por quatro horas até um acampamento. Na chegada foi uma decepção, uns caras mal encarados e bastante militares também não muito simpáticos, um ambiente horrível. Na janta só uma caneca de café preto (um líquido escuro que falaram que era café...) e um pedaço de pão seco. Era um enorme barracão, a cama não servia nem para os cachorrinhos do vizinho. À noite fomos dormir, a barriga roncava igual a um trem chegando na estação. Por sorte eu tinha um bolso na cueca pra guardar meu dinheiro, pois a faquinha que guardei debaixo do travesseiro me tiraram durante a noite. Eu contei pro Comandante, mas ele disse que ali ninguém era ladrão. Pela manhã o lanche foi o mesmo, aí fomos pro mato, era uma demarcação de terras do Exército e me deram uma foice, alguns receberam machados. A turma não tinha prática, eles cortavam as toras e gritavam: “cuidado, mano que lá vai pau”, aí falei com o comandante: “vai morrer gente, eles não têm prática.” Ele falou: “e tu tens?” “Sim, meu pai tem serraria”, ele: “e o que estás fazendo aqui?” e pensei: “eu que pergunto a mim.” Falei com os dois colegas: “vamos fugir, cada um dorme duas horas”, assim foi feito e funcionou bem, mas quando nós estávamos dentro do bote o Comandante acordou e gritou: “Não mexe aí, senão eu meto bala”. Nós fizemos uma choradeira, até que ele disse: “Vão embora, seus vagabundos”. Nós pegamos o barco e agradecemos pelos “elogios”, mas esperamos até estar longe para ele não escutar, pois aí nos prenderia de vez. Foram mais 4 horas de remo, e ao chegarmos no hotel o porteiro ficou apavorado com a nossa aventura, mas meus colegas disseram: “Vamos tomar uma cerveja à saúde do Catarina.” No dia seguinte a polícia foi ao hotel me intimando para ir na Delegacia, pois o rapaz que me roubou a faca de debaixo do travesseiro havia brigado com o comandante. Eles queriam saber se a faca era minha e eu confirmei, expliquei que no dia em que eu falei ao comandante que tinham me tirado a faca ele respondera que ali não tinha ladrão, mas tinha sim, e a faca reapareceu. O Restaurante Coimbra No dia seguinte saí atrás de emprego, na segunda rua tinha a redação do jornal “A Tribuna de Santos”, às 5 da manhã o porteiro me chamava, eu comprava o jornal, retirava os anúncios e em seguida embarcava no bonde e saía atrás de emprego. Numa tarde feliz de um belo dia, entrei para tomar um café no restaurante Coimbra, na rua Senador Feijó 325 e consegui emprego de garçom, podendo morar no emprego. O Sr. Adelino Coimbra me perguntou de onde eu vinha e se tinha experiência como garçom, eu disse que sim, mesmo sem nunca ter entrado em um restaurante. Ele mandou eu voltar às 3 da tarde, voltei satisfeito para o hotel. Naquela época o pessoal de Santa Catarina, do Paraná e de São Paulo eram bem recebidos, então me mandaram arrumar a mesa, estendi a toalha, peguei um garfo, uma faca e um prato e coloquei na mesa. Daniel, cunhado do seu Adelino, chamou minha atenção, o seu Adelino perguntou se eu não tinha prática, respondi que eu precisava trabalhar e iria aprender, ele mandou continuar. Então me deram um quarto nos fundos do corredor, na manhã seguinte, ao sair do quarto, encontrei uma carteira recheada de dinheiro, que entreguei ao patrão; quando contei ao seu Manoel cozinheiro, ele logo me disse: “hoje de noite vamos na rua São Francisco, na casa das meninas, cadê a carteira?” “Entreguei ao patrão, deve ser de algum freguês.” Ele me xingou: “Ô Catarina burro, o teu emprego está garantido, isso é coisa do patrão, ele deixou a carteira ali pra fazer um teste contigo.” O meu primeiro ordenado foi 20 contos, e a cada mês aumentava mais vinte, quando chegou aos cem parou de aumentar. Com o primeiro ordenado que recebi comprei um terno de casimira Aurora azul marinho, e mandei pro meu pai, pois estava perto do aniversário dele, 25 de dezembro. Quando recebi o segundo salário o cozinheiro, seu Manoel, descobriu que no dia 21 daquele mês de outubro eu faria aniversário e me convenceu a irmos na rua São Francisco, local da casa das madames, e lá se foi todo o meu ordenado. Dia seguinte eu estava sem dinheiro no bolso e de ressaca. O Restaurante do Adelino Português era grande, 220 lugares, servíamos café da manhã, almoço e janta. Pelo carnaval eu e as colegas fomos assistir o desfile dos blocos na Praça Lauro Müller, e do outro lado da Avenida tinha uns guardas civis vestidos de branco, que me faziam sinal. Eu não prestei atenção a eles e as colegas me avisaram, então atravessei a Avenida e me apresentei. Eles perguntaram de onde eu vinha, falei que era de Santa Catarina e me deram voz de prisão, eram investigadores da Polícia e mostraram uma foto de um camarada meio parecido comigo. Perguntaram aonde eu trabalhava, respondi que era no Restaurante Coimbra na Senador Feijó 325, e mostrei a chave da porta. Fomos lá, abri a porta e chamei seu Adelino, ele confirmou que eu era funcionário dele, me liberaram e foram embora, então voltei pra ver o carnaval com as meninas. No dia seguinte, no mesmo local, me disseram que do outro lado da rua tinha um bar onde pegaram o rapaz da foto querendo fazer a felicidade de outra menina. Ele devia casamento em Florianópolis pois deixou a barriguinha da namorada crescendo e veio passar o carnaval em Santos, mas não teve sorte e voltou, ou pra ver a menina ou pra encarar o xadrez. Depois de quatro meses que eu estava trabalhando no restaurante, o patrão me pediu se eu poderia levantar toda manhã às 4 horas para receber o leite e fazer o café, e às 6 horas chamá-lo e abrir as portas pra portuguesada tomar café. Assim o fiz, levantei cedo, quando chegou o leiteiro recebi o leite e coloquei num panelão para ferver, mas primeiro tirei uma caneca e tomei com gosto aquele leite. Ao levantar o patrão olhou o recipiente e perguntou se tinha vindo menos leite, e eu respondi “não sei, seu Adelino, o que veio está aí.” Como ele reclamara, no dia seguinte recebi o leite, olhei a porta do quarto fechada e tomei um canecão de leite, enchi o caneco com água e coloquei no bujão do leite. Quando ele olhou, achou tudo certo, assim, fiquei quase dois anos tomando leite e colocando água no lugar. No dia em que eu resolvi sair fui pedir a conta, ele perguntou por que eu ia embora e respondi que queria conhecer o Rio de Janeiro. Ele se preocupou em saber se eu precisava de dinheiro e eu respondi que guardava na Caixa, colocava lá todos os meses. Ele me perguntou por que eu não deixava o dinheiro na mão dele, mas eu tinha receio de não ver mais o meu dinheirinho, e respondi que eu pensava que ele não iria aceitar ... isso até parece piada de português. Eu contei ao seu Manoel, o cozinheiro, da troca do leite por água, mas pedi pra ele não falar nada, só depois da minha saída, mas ele não parava de rir – é que, na hora do almoço, ele me mandava pegar uma garrafa de vinho português, e ameacei que se ele contasse do leite eu falaria do vinho, aí ficou elas por elas. É a velha “lei da compensação”. A Cidade Maravilhosa Viajei de Santos ao Rio no navio Aspirante Nascimento. O Comandante do navio era Célio Miranda, casado com minha prima Leonora, filha do tio Zena Heusi. Ao chegar no Rio perguntei a um cidadão que passava se podia me indicar alguma hospedaria, ele me indicou uma pensão na Rua Almerindo, perto da Praça da Bandeira, ao lado de uma agência de empregos. Deixei com o encarregado o telefone da Pensão do seu Joaquim Português e de tarde já me chamaram na Rua do Ouvidor, para trabalhar perto do Cristo Redentor, como ajudante de jardineiro. Mandaram que eu fosse no Largo da Carioca pegar o Bonde Santa Tereza-São Silvestre e ao desembarcar pegar a Ladeira dos Guararapes 326, uma madame já esperava pelo novo contratado, o Raul. O patrão, Sr. Borg, era americano, a patroa era chamada de “madame” Entrei e já fui falar com o jardineiro, seu Manoel Boca-Suja. Era a mansão de um casal de americanos, tinha quatro senhoras: dona Maria a cozinheira, - uma portuguesa bonita, casada com Joaquim; dona Etelvina a lavadeira e passadeira, dona Ana fazia a faxina e serviços gerais e a Laura, uma morena bonita, era a copeira. Raul o “Catarina” saiu, porque a copeira Laura era uma tentação. Para não acontecer de meus filhos nascerem morenos, mudei de emprego. Fui trabalhar na Rua Correa Dutra 78, como porteiro do Edifício Correa Dutra, o inquilino do primeiro andar era o cantor Carlos Galhardo, o Rei da Valsa. Todas as manhãs eu via o Presidente Getúlio Vargas tomando chimarrão, de colete e lenço branco no pescoço, atrás do Palácio do Catete, no corredor, pois a parte de trás do Palácio é oval. O Edifício em que eu trabalhava tinha três andares, telefone só na portaria, e a cada chamada eu tinha que ir no apartamento avisar. No terceiro andar morava a viúva fazendeira dona Edite, que tinha uma filha adotiva, Juliana era seu nome, e às vezes nós passeávamos juntos, ela era toda reservada, dizia que a mãe não queria saber de agarramento. Eu achei que a gente estava se gostando, quando eu ia chamar para atender o telefone sempre me davam doces. Uma tarde fui chamar a dona Edite para atender o telefone e na volta a Juliana estava chegando da rua, ela não me viu, mas eu a vi abraçada com o gerente do Edifício, e ao passar por ela, falei: “Beijo de homem casado é mais gostoso”, aí discutimos e terminamos. No Rio conheci artistas em começo de carreira, como Angela Maria, Carlos Galhardo, Emilinha Borba e outros que a gente assistia na Rádio Nacional. Eu procurei outro emprego e consegui, num bar da Rua do Ouvidor, esquina com a Rio Branco, só que era bar da “elite”, os filhos de pais ricos levavam as namoradas e quase amanheciam tomando uísque. Eu ficava ali cochilando e não agüentei mais, resolvi ser cobrador de bonde na Light. Por duas semanas freqüentei a Escola de Formação dos cobradores de bonde, foi ali que o professor Carlos me ensinou a roubar. Os companheiros mesmo diziam que estavam ali aprendendo a roubar, porque todos os condutores roubam. O método era simples: o cobrador precisa caminhar pelo bonde o tempo inteiro, cobrando de cada passageiro, e ao receber puxa uma cordinha interna, que registra para o motorneiro o valor que entrou. Porém, se puxar outra corda, a que serve para avisar que pode seguir viagem, o passageiro pensa que foi registrado e o cobrador pode embolsar o dinheiro e depois reparte o “lucro” com o motorneiro, dando a ele uns trocados pra tomar uma cervejinha. Afinal, desde que o Pedro Álvares Cabral chegou no Brasil que começou a roubalheira ... Meu filho Carlos José pergunta: Seu Anastácio, será que ainda vale a musiquinha...”plim, plim, dois prá Light e um prá mim”? Na segunda semana de trabalho fui escalado na tabela 217, às duas da manhã, a viagem era da Praça XV até as barcas que transportavam o pessoal que vinha de Niterói, pois ainda não existia a ponte Rio- Niterói. Na quarta viagem embarcaram quatro senhores usando ternos de linho e chapéus panamá. O dia estava amanhecendo, cobrei os quatro e não registrei, aproveitei o horário de pouco movimento para ficar com o dinheiro, mas na saída um deles me perguntou se eu era novo e respondi que sim. Ele me disse: “já tecrias bem sem pai...” Eram os chefões da Light! O motorneiro me fez sinal e disse que eu me preparasse para perder o emprego. O escritório era na praça Lauro Müller, todos os dias eles colocavam uma placa com os nomes dos que eram suspensos. Ficamos lá esperando a placa ser colocada, para minha sorte não constava o meu número. No dia seguinte fui trabalhar na mesma linha, e no mesmo horário vieram os quatro chefões da Light, cada um sentou em um banco separado do outro, fui cobrar um por um e registrei todos os quatro. Na saída o que tinha falado comigo na madrugada anterior me perguntou se eu já tinha aprendido, disse que sim e agradeci a lição. Continuei trabalhando, e às vezes quando o Fiscal não estava eu “esquecia” de registrar. Essa é do meu amigo Joaquim, companheiro no serviço dos bondes, no Rio de Janeiro. Ele era motorneiro e eu era cobrador da Light. Ele tinha 67 anos e eu apenas 25, era meu professor. Eu comprei uma capa de borracha e passei a noite trabalhando debaixo de chuva, quando fui pro quarto pendurei a capa no terraço e fui dormir. A capa pegou sol forte e derreteu, cada vez que a gente se encontrava ele gritava: -“Olha a capa, Catarina!” e inventava piadas sobre a capa. Só que os fiscais viviam pedindo dinheiro dos cobradores “para tomar um café”, quem não desse era perseguido. Encrenquei com um fiscal desses, me suspenderam por cinco dias, e quando voltei ao Escritório o chefe americano me disse que eu teria mais quatro dias de gancho. Nessa altura eu já estava querendo voltar para nossa Santa Catarina, então joguei o boné em cima da mesa e pedi a conta, não quis mais trabalhar com eles e resolvi voltar pro meu Estado. Eu já estava com bastante saudade da família e de Santa Catarina, depois de quatro anos ausente, aí peguei a Maria Fumaça, foram três dias de viagem de trem do Rio a Joaçaba, isso foi em 1942. Viajei na companhia de um amigo de Joaçaba, Sr. Achiles Pedrini, industrial dono do Curtume Santa Terezinha, que me contou que diversas vezes andava no bonde em que eu era cobrador, mas como o serviço acaba sendo meio mecânico, eu nem olhava quem estava pagando, por isso nunca reparei na presença dele. Felizmente consegui vencer, e é por isso que dizem que a melhor escola é o mundo, sofri mas aprendi. Amanhã tem mais...  

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