Cultura em Cena: Sinclair Biazotti - A Educação e a Cultura como Pilares da Formação Humana

Conheça a história de Sinclair na coluna desta semana.

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Cultura em Cena: Sinclair Biazotti - A Educação e a Cultura como Pilares da Formação Humana

“Eu vim para Joaçaba para estudar, para fazer pedagogia e fiquei, não voltei mais. Fiz concurso na Prefeitura de Herval d´Oeste, passei, e fui ficando. Depois fiz concurso no estado. Quando eu fiz o concurso na Prefeitura de Herval, eu comecei trabalhando na creche “Criança Feliz”, que havia recém sido inaugurada. Depois eu fiz um outro concurso para orientadora e fui trabalhar na Escola Cruz e Souza. Eu sempre tive facilidade de desenhar, de pintar, de trabalhar com artes, e eu ajudava muito nisto. Ensinava as crianças, a gente pintava nas paredes, fazíamos uns painéis bacanas.”

Além de estudar no Magistério no Ensino Médio, Sinclair cursou também Contabilidade. A paixão pelo magistério foi sendo construída junto com a experiência que o desenrolar dos anos proporcionou.

 A antiga FUCABEM – Fundação Catarinense do Bem Estar do Menor, local em que trabalhou como estagiária, escancarou uma dura realidade. Abraçar o universo de crianças que tem sua infância devastada pela violência e pelo abandono, ampliou sua visão sobre o mundo em que vivemos, e sobre a importância que a educação, o contato com as artes e a valorização do ser humano, tem na construção de uma sociedade mais justa.

Por conta disso, gradou-se em Pedagogia/ Habilitação em Orientação Educacional, que possibilitava uma proximidade com os estudantes com dificuldades não só de aprendizagem, mas também nos relacionamentos. Fez pós-graduação em Psicologia e Mestrado em Educação.

“Eu também tinha facilidade de declamar poesias. E a diretora me desafiou a montar um Festival de Poesias. Eu montei o festival, e em todas as turmas as professoras escolhiam dois ou três alunos para declamar. E eu ensaiava todos eles para o momento da apresentação.

Então eles chegavam lá e sabiam como se portar em frente ao público. E a partir de então, todo ano tinha festival de poesias. E com isto, muitos aprenderam a se expressar. Depois a Marines Michelon, professora de educação física, foi desafiada a montar um festival de danças. E ela veio até mim e disse – Sinclair você me ajuda? Concordei. E montamos o “FEMUDA”.

Foi bem bacana .Foi quando o Everson Besbati foi descoberto. A bailarina Luciane de Jesus era uma das juradas, e o Everson se destacou muito, e ela chamou ele para ensaiar com ela em sua academia de danças. O Festival de Dança foi uma coisa bem bacana, os alunos amaram. Ensaiaram muito na escola, porque eles iam competir com outras escolas, com outras crianças. Para eles era muito importante. Então a gente preparava apresentações dentro da escola , o cenário, a roupa. Era uma transformação que eles viviam. Daí a gente saia da escola e ia pra outros espaços. Para eles, abria um mundo diferente.”

Uma nova etapa em sua vida teve início em 1994, com a aprovação no concurso público da Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina, e a escolha da Escola de Educação Básica Governador Celso Ramos, em Joaçaba, como local de trabalho.

Em 1995, aconteceu a Marcha Zumbi dos Palmares, levando cerca de 30.000 pessoas de todas as partes do Brasil, até Brasília, com o intuito de denunciar o preconceito, o racismo e a ausência de políticas públicas para a população negra. A manifestação aconteceu no aniversário de 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência escravista e da consciência negra no Brasil. 

Na época, a professora Eliane Fillipin lecionava história no Colégio Governador Celso Ramos, e convidou Sinclair para desenvolver alguma ação alusiva ao grande evento. Sinclair topou o desafio, e em conjunto com o Professor Ancelmo de Oliveira e Josefina Silva Boscia que na época era diretora da escola, foi realizado um momento de reflexão, com um grande painel ostentando o rosto do guerreiro Zumbi dos Palmares. Batidas de tambores ecoavam pelo ambiente, com os alunos trajando roupas brancas, pinturas corporais e cantando.

“Até hoje eles tem isto na memória,. Eles me procuram, isto marcou muito pra eles. Nós fizemos este primeiro momento que foi bem bacana para os alunos, especialmente para os alunos negros da escola. Eles se sentiram valorizados. A partir de então, organizamos outros momentos de reflexão com arte, com música, com poesia, e isto foi a cada ano sendo incrementado e os alunos sempre cobrando da gente, porque era um momento que eles gostavam muito. Todo início do ano eles já queriam saber quando e como iriamos fazer. Então além de novembro, passamos a fazer também em maio, como reflexão do 13 de maio. Então, em 2003 vem a lei 10.639 que traz a obrigatoriedade das escolas de trazer o histórico da africanidade brasileira, de contar o que não foi contado e disciplinas foram incorporando nos seus conteúdos histórias que os livros não traziam”

Sindicato: “No município de Herval d´Oeste eu me envolvi, desde a criação do Sindicato dos Servidores e depois de algum tempo me escolheram para presidente. Sempre coloquei muito a minha opinião. Sempre representei muito o pessoal da minha escola. O primeiro Plano de Carreira do Magistério de Herval d´Oeste, eu fui defender na Câmara de Vereadores. Nós nos reuníamos a noite para organizar, fazer os cálculos, elaborar as leis, e organizar toda a estrutura do plano. Calculamos até 5 anos, quanto iria impactar as progressões para cada professor. Pegava caso por caso, e a gente teve que convencer e apresentar isto pra o Prefeito, para ele mandar para a Câmara de Vereadores. Eu fui no gabinete acompanhada de representantes da educação, e apresentei, levamos cartazes mostrando pra ele, e convencemos o Prefeito de que era viável, que era possível, e ele mandou a Lei para a Câmara. Estava pronta, era só mandar. E aí nós mobilizamos todo mundo para ir para a Câmara de Vereadores, para convencer os vereadores. Tinha que ter gente. Lotou a Câmara de Vereadores, e foi aprovado. A partir dali teve uma série de modificações. Cada gestão pensa diferente e vai lá e modifica o quadro de progressão, mas enfim, nasceu ali o Plano de Carreira do Magistério, foram muitas noites de trabalho puxado. Hoje eu faço parte do SINTE – Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Santa Catarina.”

Edital Elisabete Anderle: Quatro projetos redigidos por Sinclair foram contemplados no  Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, concorrendo com projetos de todo o estado de Santa Catarina

Em 2017 o projeto Africanidade à Flor da Pele, da EEB Governador Celso Ramos, com o intuito de ser ampliado, foi inscrito no edital, e foi um dos contemplados. Foram contratados oito profissionais para a execução que incluiu as seguintes oficinas: contação de histórias, artes plásticas, capoeira, bonecas negras, tranças, e formação geral sobre a história e cultura africana e afro-brasileira para professores e alunos.

Em 2019, Sinclair conseguiu aprovar dois projetos: Dança Afro “Cor, Ritmo e Ação”, para a EEB Governador Celso Ramos, e que contou com a contratação do professor de dança Igor da Cruz, que foi aluno na própria escola, e hoje é professor de dança. Ele foi contratado para realizar oficina de dança com os alunos. Tanto para alunos do ensino fundamental como ensino médio, formando dois grupos de dança para representarem a escola em eventos, na Oliejho Cultural, e em momentos dentro da escola. Os grupos se apresentaram em Catanduvas, e Lacerdópois. O segundo projeto foi para auxiliar na publicação do livro “Joaçaba Samba e Faz escola desde 1934”. Do artista Jorge Zamoner, feito em conjunto com o artista João Paulo Dantas. (in memorian) .

Em 2020 foi aprovado o projeto “Encontro Afro Literário”. Em função da pandemia do Coronavírus foi executado em 2021 de forma on-line. Pessoas de todo o país se inscreveram, e ao final receberam um Certificado de Participação. As escolas de Joaçaba foram contempladas com um Kit de livros dos autores catarinenses envolvidos com o evento.

 Educafro: “Nesta jornada de trabalhar com relação étnicos raciais, eu tive e felicidade de conhecer o Frei Davi Raimundo dos Santos. Por um período ele esteve em luzerna para descansar, por problemas de saúde, e nós nos conhecemos. Ele nos chamou para estarmos juntos montando o Educafro aqui em Joaçaba,. Ele é o fundador do Educafro no Rio de Janeiro, e depois estendeu para outros estados.

Então, o Educafro tem a missão de auxiliar jovens negros e pobres, para terem condições de realizarem vestibular e concursos públicos. Para terem acesso à educação, para ampliarem seus níveis de educação, para terem trabalhos que os coloquem em uma situação melhor.

Então, nós tivemos a oportunidade de conhecermos o frei Davi Raimundo dos Santos e junto com ele, nós, eu, Josefina Silva Boscia, e mais um grupo de profissionais, de professores, conseguimos montar o Educafro, este cursinho pré-vestibular. O frei Davi nos falou que deveria funcionar até que existissem cursos pré-vestibular gratuito para os estudantes carentes. Então, na oportunidade, nós trabalhamos por um ano, até que surgiu o curso da UFSC de graça, que passou a funcionar dentro do colégio Celso Ramos, e ai nós paramos com o curso. Mas, foi um momento muito bom, em que estivemos juntos com vários jovens que conseguiram fazer vestibular em universidades públicas, incluindo federal e foram aprovados. Nós tivemos vários que seguiram adiante em função deste cursinho pré-vestibular. Inclusive tivemos alunos que foram fazer especialização no exterior. Este curso funcionava no Pavilhão Frei Bruno, nas salas de catequese. Foi um espaço que a igreja nos cedeu para estarmos trabalhando com este jovens., Todos os profissionais e professores que atuaram, vieram voluntariamente nos auxíliar neste sonho de fazer com que a educação chegasse a estes jovens que não tinham esta oportunidade.

Os alunos são muito gratos por nossa ajuda. Outro dia mesmo um ex-aluno passou no vestibular de medicina e me chamou no instagram para me contar – Eu queria contar pra você, por que você é uma pessoa muito especial para mim, porque você sempre incentivava, me chamava a atenção, e me ajudava!” Há alguns dias atrás eu estava jantando com um grupo de ex alunas da Pedagogia, quando um dos rapazes que trabalha no restaurante se aproximou da mesa e disse: Obrigada Profe pelos anos de paciência que você teve comigo. E tem tantas outras histórias de reencontro com os ex-alunos com uma troca afetiva muito grande.”

Origem:

Sinclair rebentou do ventre de sua mãe Maria, no vale que abriga o município de Tangará. Nasceu em um lugar de natureza exuberante, com uma vista privilegiada para o Morro Agudo,  E foi sob o “olhar” deste majestoso ancião concebido e esculpido pela mãe natureza, que Sinclair passou os tenros anos de sua vida.

Infância:

Ao vasculhar nas trincheiras da memória em busca de imagens afetivas, surgem várias cenas carregadas de poesia, oriundas dos anos lúdicos que fazem da infância a melhor fase da vida.

O quarto da mãe, escuro como o breu de uma noite sem luar e sem estrelas, era palco para as sessões de cinema, que aconteciam quando o sol já havia se despedido no horizonte, Uma de suas pequenas mãos folheava um gibi, enquanto a outra iluminava a página com uma lanterna, simulando a projeção de um filme. O sucesso do cinema inventado era tanto, que no dia seguinte, quando o horizonte se preparava para receber os últimos raios do sol, algum dos fiéis frequentadores sempre vinha correndo indagar se já estava na hora da sessão iniciar.

 Os anos mais divertidos da vida foram marcados pela criatividade e pela inventividade.  A rua que passava em frente a sua casa possuía vários lotes desprovidos de qualquer construção e repletos de árvores, muitas delas que costumavam carregar de frutas. Isto tudo se tornava um grande quintal, habitado por todas as crianças da redondeza.

As árvores eram desbravadas e seus galhos eram “conquistados”. E nenhum tombo era capaz de aniquilar a vontade de subir o mais alto possível. E que bonito era quando o perfume das flores anunciava que se iniciava um novo ciclo que culminaria com a colheita de seus frutos. O doce aroma se alastrava pela redondeza invadindo e perfumando todas as casas.  Havia uma variedade muito grande de árvores frutíferas que costumavam presentear a todos da rua com seus frutos: butiás, peras, pitangas, laranjas, amoras, cerejas do mato, esporas de galo e ariticuns. Que delicia que era comer todas aquelas frutas, ali mesmo, sobre os galhos de alguma árvore, conversando com os amigos.

E quando chegava a época da colheita dos butiás, a alegria era em dose dupla. Após comerem as frutinhas, os caroços eram colocados sob o sol para secarem, e depois eram quebrados com uma pedra, liberando a castanha que havia dentro.

Uma cabana foi construída em um campinho que era coberto por mato, utilizando o capim elefante que crescia por ali para fechá-la. Era o espaço ideal para conceberem novas aventuras longe dos olhares adultos.

Quase nada metia medo naquelas crianças que faziam da suas infâncias, um momento mágico, em que ser feliz era regra. Só havia um ser mitológico capaz de fazer suas pernas tremerem: O famigerado Velho do Saco. Não o conheciam, mas as pernas tremiam só de imaginarem encontrá-lo após alguma peraltice.

O trabalho na roça começou bem cedo. Aos seis anos de idade já estava na hora de saltar da cama antes que os raios de sol iluminassem o vale, anunciando o seu retorno, e tomar rumo em direção a roça que ficava no alto de um morro, no final da rua onde morava, ajudando a capinar e a na colheita do feijão e do milho. O nono fazia umas cestas pequenas para que as crianças ajudassem a carregar os cereais. 

Algumas das espigas de milho viravam bonecas e seus cabelos eram penteados e ganhavam tranças. E na hora de retornar para a casa, ainda existia energia para mais uma brincadeira; apanhavam uma canoa de coqueiro, e como em um passe de mágica, o potreiro que ficava abaixo da lavoura se transformava em tobogã, e desciam deslizando na “ladeira”. As vezes, duas ou três crianças vinham juntas, agarradas uma nas outras. E se a canoa virasse, não tinha esfolão que acabasse com a brincadeira, desviravam e continuavam deslizando até terminar a jornada.

O rio que serpenteia por entre o vale, presenciou muitas pescarias, brincadeiras, e braçadas em suas águas. Tudo sob o olhar cuidadoso do pai. E quando ouviam o apito do trem, corriam e subiam sobre um barranco, e os seus olhares percorriam o seu trajeto até aonde a vista alcançava.

Ao final de mais um dia de trabalho duro na pedreira, o pai, seu Valdemar, chegava em casa e sentava em uma cadeira, preparava o seu chimarrão, reunia todos os seus filhos ao redor, e contava várias histórias, sempre carregadas de muito suspense, fazendo com que os ouvintes, atentos, aguardassem ansiosos o desfecho final.

Livros e gibis eram companhias constantes, e foram muitas as histórias que saíram de suas páginas e povoaram a imaginação de Sinclair. Imaginação que muitas vezes ganhava forma nas páginas de outro fiel companheiro: um caderno de desenhos.

“Venho trilhando o meu caminho entre a arte, a cultura e a educação, e atualmente faço minha passagem pelo Conselho Municipal de Políticas Culturais de Joaçaba e sem a intenção de colocar um ponto final na minha história, busco me envolver em outros projetos culturais e educacionais.”

Para conhecer mais sobre Sinclair Biazotti acesse a sua página no Instagram @sinclairbiazotti

Cultura em Cena é uma coluna escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre, para destacar o que se faz no meio cultural da região.

Fonte:

Omar Dimbarre

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