Ela transformou a dor em amor!

A nossa terceira personagem, vem nos ensinar que para impactar o mundo, não é preciso fazer o extraordinário.

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Dona Cleci em sua tarefa de ajudar quem mais precisa. (Fotos: Ladimara Teixeira)
Dona Cleci em sua tarefa de ajudar quem mais precisa. (Fotos: Ladimara Teixeira)

Reportagem: Cristiana Soares/Especial para o Portal Éder Luiz

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A personagem que ilustra o terceiro episódio da Websérie M de Mulher, não nasceu na era digital e nem cresceu rodeada pelas novas tecnologias, mas o que ela entrega para o mundo, nenhum software, programa, ou aplicativo será capaz de entregar: amor genuíno. 

Nascida em 1957, no interior do Rio Grande do Sul, Dona Cleci viveu uma infância muito distante da realidade que as gerações mais novas conhecem. Ainda criança, quando tinha apenas sete anos de idade, seus pais a entregaram aos cuidados de uma tia que morava na cidade. A promessa era a de que, a pequena Cleci exerceria a função de babá dos primos e em troca a tia, que era professora, lhe encaminharia à escola. 

Dona Cleci, morou com a tia por um ano e durante todo este tempo não teve contato com os pais ou irmãos. Ela se recorda que este foi o ano do Golpe Militar e que todas as noites ajoelhava-se e pedia à Deus para que pudesse voltar a ver a família.  

Apesar de cuidar dos primos como se adulta fosse, a experiência de sentar nos bancos escolares e assistir à uma aula não lhe fora proporcionada. A tia nunca permitiu que ela estudasse e os traços da personalidade forte e aguerrida de Dona Cleci, logo se manifestaram. Em um sábado à noite ela fugiu e andou por quinze quilômetros para voltar para casa. 

As lembranças de infância da nossa personagem, são muito diferentes daquelas comuns às gerações mais novas. Ela lembra da primeira vez em que entrou em uma casa com energia elétrica e do medo que sentiu ao apertar o interruptor. Da primeira vez em que experimentou um sorvete e de ouvir pelo rádio a incrível notícia de que o homem alcançou a inédita e improvável façanha de pisar na lua. 

Diferente dos dias atuais, as roupas dela e as dos irmãos eram feitas pela mãe, com o tecido em metro que o pai trazia da cidade. Quando precisava comprar sapatos novos, o pai media os pés dos filhos com um cordão para ter certeza de que compraria o tamanho certo. 

Os recursos eram escassos e os desafios enormes. Um deles, foi a enchente no Rio Uruguai, que obrigou a família a recomeçar do zero, já que perderam tudo o que possuíam, inclusive a casa. 

Aos quinze anos, quando Dona Cleci e a família já residiam em Concórdia, ela conheceu o marido. Ambos trabalhavam na Sadia e ele estudava engenharia mecânica em Blumenau. Casaram-se quando ela tinha dezenove e durante os dois primeiros anos do matrimônio, enfrentaram os desafios da distância, até que ele concluísse a graduação. 

Dona Cleci revela que viveu com o marido um grande amor e que em nome dele enfrentaram muitas adversidades. “Foi uma história linda”, ela afirma, revelando que o chamava de “meu Romeu”. E se você já notou que os verbos da frase anterior estão no passado, talvez também já tenha adivinhado que apesar de linda, essa história foi mais curta do que o esperado. Aos 38 anos e com três filhas pequenas, Dona Cleci enfrentou a sua maior dor: o falecimento do marido. 

Com coragem e muita fé, a nossa personagem criou sozinha as três filhas. Hoje todas estão graduadas, casadas e deram à Dona Cleci, o que ela considera um de seus maiores tesouros: os netos. Ela acredita que o momento de dor, uniu ainda mais a família e que essa união foi a base para que enfrentassem todas as dificuldades. 

Dona Cleci nunca enxergou as pedras no caminho como obstáculos intransponíveis, e apesar de ter boas justificativas, jamais se amargurou diante da vida. “As pessoas estão muito estressadas, mal humoradas. A vida é tão bela!”, afirma ela com convicção. 

E se o papel de vítima não lhe cai nada bem, o de protagonista, lhe serve como uma luva. Com 63 anos, muito bem vividos, ela é cheia de energia. Faixa preta no judô, faz academia três vezes por semana, ama esportes e está sempre por dentro dos campeonatos de futebol, nacionais e internacionais. Como mora em um sítio, todos os dias, dirige cerca de quarenta quilômetros entre idas e vindas, para administrar seus afazeres domésticos, de trabalho e os compromissos pessoais. “Se a morte chegar hoje, eu vou dizer: vai embora, que eu não tenho tempo pra morrer”, diz ela em meio a risos. 

E se você está imaginando quais são os compromissos de trabalho da nossa personagem, prepare-se para uma lição de amor e doação que pode deixar os seus olhos marejados. Dona Cleci, por muito tempo trabalhou no setor de Assistência Social da Prefeitura de Concórdia, e nesta atividade conviveu com realidades de carência que a comoveram e despertaram nela o desejo de ajudar. Assim, surgiu a Associação de Assistência Social Amigos da Família. 

No início, a intenção da associação era auxiliar pessoas carentes, atendendo à diversas demandas, conforme elas surgiam e na medida em que a entidade conseguia. Mas Dona Cleci, logo descobriu a real missão da instituição.  

Uma das atividades que realizava como funcionária da Prefeitura de Concórdia, era a de acompanhar pacientes desta cidade, que vinham à Joaçaba para realizar tratamento de saúde. E ao desempenhar esta função, percebeu que muitos deles e também os familiares que os acompanhavam, não tinham aonde ficar nos períodos que antecediam os tratamentos ou àqueles entre uma sessão e outra, no caso de tratamentos continuados.  

A partir desta constatação, Dona Cleci vislumbrou a possibilidade de contribuir de maneira mais concreta, direcionando o foco da Associação à esta demanda. Nasce assim, a Casa de Apoio Nosso Lar, um espaço onde pacientes e seus familiares encontram conforto e carinho em um momento de muita fragilidade. 

Hoje a associação oferece este serviço na cidade de Joaçaba, onde recebe mais de quinhentas pessoas por mês, e também em Chapecó, cuja estrutura é administrada por uma das irmãs de Dona Cleci. Os espaços oferecem refeições, banho e pernoite, levando mais conforto e alento aos pacientes e seus acompanhantes. 

A nossa personagem conta que a empreitada para tornar a Casa de Apoio uma realidade, foi uma tarefa que exigiu esforço e persistência. Como poucas pessoas de Joaçaba a conheciam, ela teve dificuldades em conseguir apoio no início do projeto. “As pessoas desconfiavam”, diz ela. Mas, como essa mulher inspiradora ama desafios e acredita que “problemas existem para serem resolvidos”, ela contornou todas as intempéries e segue firme em sua missão.  

Dona Cleci, passa a maior parte do seu tempo, na Casa de Apoio e faz questão de preparar ela mesma as refeições. Diz que as pessoas que passam pela casa, amam comer a sua comida e atribui isso, ao amor que coloca naquilo que faz. “A Casa de Apoio é como um filho pra mim!”, revela. 

Com mais de uma década, dedicando-se a este trabalho, ela conta que em alguns momentos, pensou que precisaria encerrar as atividades, e que em muitas ocasiões investiu recursos próprios para conseguir manter o local funcionando. Ainda assim, as dificuldades nunca foram maiores do que a vontade de ajudar. “Não tenho arrependimentos, faria tudo de novo.” 

Dona Cleci, acredita que o trabalho que realiza, a ensinou a valorizar mais a vida e apreciar as pequenas coisas. Ela revela que se sente feliz e realizada e que se vê como alguém de muita sorte. “Só peço a Deus que me dê saúde e sabedoria, o resto a gente dá um jeito.” 

Questionada sobre a importância do trabalho que realiza, ela é enfática em dizer: “Eu me sinto mais feliz do que a pessoa que foi ajudada” e revela que a maior recompensa é quando as pessoas que passam pela casa, conseguem se recuperar. 

Ela afirma, ainda, que é inevitável não se apegar aos pacientes e familiares que passam pela Casa de Apoio e que em muitos momentos, sofre junto com eles. Para enfrentar os dias nublados, o bom humor e a fé são fundamentais: “Se a gente levanta mal humorado, nada dá certo.” diz ela, contando que tem uma tática para os momentos em que a tristeza insiste em aparecer: “Quando estou triste me dou um presente.” 

Nas horas de lazer, a nossa personagem gosta de costurar, fazer tricô, crochê e cuidar do jardim. Para ela “casa sem flor, não tem amor”. Outra coisa de que ela não abre mão é da sua independência e liberdade. Ela afirma que quer viver enquanto tiver saúde e autonomia. 

Essa mulher, com M maiúsculo, acredita no amor como a base de tudo, e não tem dúvidas de que, para que possamos espalhá-lo ao mundo, antes de tudo é necessário vivê-lo em nós mesmos. 

Ao ser questionada sobre o que a entristece, ela revela que percebe muitas famílias perdendo o vínculo, e que, por mais contraditório que possa parecer, as novas tecnologias, apesar de importantes, em alguns aspectos causam um distanciamento. “As pessoas se tropeçam na rua, não se enxergam mais.”, diz ela, referindo-se ao uso dos aparelhos de celular, como um exemplo dessa desconexão. Ela revela também, que em muitos momentos, sente-se discriminada em razão da idade e que falta aos mais jovens, paciência para ensinar aos mais velhos.  

O que me parece, no entanto, é que, talvez, falte à nossa geração a compreensão de que, mais do que paciência para ensinar, necessitamos também de humildade para aprender com aqueles que chamamos de “a geração antiga” e que essa mistura entre “o melhor do novo e o melhor do velho”, pode trazer a tona o melhor da humanidade. 

Faz sentido pra você?  


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